MPB nas Escolas: música para diminuir a evasão e melhorar as notas
22/10/10
Por Ana Paula Verly
Crédito da foto: Cris Torres - Seeduc/RJ
A partir de 2011, as escolas brasileiras começarão a ficar mais musicais. A novidade está na Lei Federal 11.769, de 2008, que prevê o ensino de música na Educação Básica como conteúdo da disciplina de educação artística. As escolas ainda têm alguns meses para se ajustarem à nova exigência, mas o Rio de Janeiro já tira os primeiros acordes em sala de aula. Trata-se do MPB nas Escolas, uma parceria entre a Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) e o Instituto Cravo Albin para diminuir a evasão e melhorar o desempenho escolar. Com um material pedagógico que inclui CD e DVDs, os professores relacionam o conteúdo das diversas disciplinas com as letras e fases importantes da história da música popular brasileira. Embalados por composições famosas, de várias épocas, os estudantes se interessam e não dançam nos estudos.
“A Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) começou a tomar providências com antecedência para munir as escolas de material pedagógico sobre a Música Popular Brasileira. A ideia é que todas as escolas do estado tenham o kit e professores capacitados para o seu uso”, explica a coordenadora do projeto na Seeduc, Isabela Leal.
Entre os dias 11 e 26 de maio, 1.207 professores, de 16 escolas que estavam implantando o Ensino Médio Inovador, participaram da oficina de capacitação para o uso do material didático, que consiste em seis DVDs, seis livros, seis cartazes e um CD. Nesta primeira fase, cerca de 6.500 alunos foram beneficiados.
“A partir desta fase, começou a acontecer a multiplicação. Dessas 16, ampliamos para 800 escolas até setembro. Atualmente, o projeto tem potencialidade para atender 320 mil alunos”, comemora Isabela.
O objetivo desta formação era fazer com que eles identificassem possibilidades de aplicação em sala de aula, como prática inovadora, com uma visão inter e transdisciplinar. O público alvo eram todos os professores dessas escolas, Orientadores Tecnológicos (OTs) e equipe pedagógica. Posteriormente às oficinas, foram selecionados OTs para atuarem como multiplicadores para as demais escolas. A entrega do kit pra as unidades escolares estaria, portanto, atrelada a esta multiplicação, com o cuidado de o material não correr o risco de ficar esquecido em uma prateleira e sim ter utilidade prática junto aos alunos. A entrega dos kits ainda está acontecendo e até agora foram distribuídos cerca de 750 de um total de 1.500.
A iniciativa partiu de uma experiência anterior, de sucesso, nas escolas do município de Piraí. Tudo foi pensado e desenvolvido pela Seeduc em parceria com o Instituto Cravo Albin e o Departamento de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O objetivo é diminuir a evasão e melhorar o rendimento escolar, além de enriquecer a cultura musical dos jovens.
O projeto relaciona a história da música e as obras de diferentes compositores aos conteúdos das disciplinas. O material didático mostra como a MPB influenciou a formação da identidade cultural dos brasileiros, e relaciona a história da música popular e as obras de diferentes compositores aos conteúdos das matérias, abordando ainda as manifestações folclóricas e preservando valores e tradições. Há imagens dos festivais da canção, depoimentos de artistas e relatos sobre músicos importantes do passado, como Cartola e Chiquinha Gonzaga, por exemplo.
Professores aprovam o projeto
A professora de educação artística Cristiane da Silva Canalis, do C.A.I.C. Theóphilo de Souza Pinto, do Complexo do Alemão, aprova o projeto. Mesmo antes de receber o material da Seeduc, ela já usava a música para despertar a criatividade, a imaginação e o interesse em suas aulas. Para ensinar as formas geométricas, por exemplo, propõe uma atividade com a música “Aquarela”, de Toquinho.
“Peço para os alunos interpretarem a letra por meio de um desenho. A arte lida com a sensibilidade. E a musica está no âmbito da arte. Então, escolho uma música de acordo com o assunto da aula, coloco para eles ouvirem e peço para sentirem o que estão ouvindo. A calma se traduz em linha horizontal; a vertical representa a espiritualidade, o equilíbrio; a inclinada é dispersão, dinamismo”, detalha Cristiane, que pretende adotar o MPB nas Escolas nas turmas da quinta série.
Nas aulas de história da arte, a professora também vai aproveitar para falar sobre a história da música. Ela lembra que durante o período Barroco surgiu uma figura importante no Brasil, a do padre José Mauricio Nunes Garcia, compositor de música sacra pioneiro ao absorver influências dos índios e dos negros.
“De lá para cá, fica mais fácil introduzir a MPB. Ela passa pelos escravos, com o lundu, que acrescentaram os batuques à musica europeia dos portugueses. Mesmo sem querer, os africanos também colonizaram o Brasil, por causa dessa mistura com a cultura europeia. E essa mistura entre o negro, o índio e o português fez a nossa música”, lembra Cristiane.
A diretora Ana Paula Freitas Rodrigues, do Colégio Estadual Monsenhor Miguel de Santa Maria Mochon, de Padre Miguel, também já havia proposto trabalhos musicais na escola antes de o projeto chegar à unidade. Três oficinas, batizadas com nomes de músicas, resgataram a MPB com o objetivo de entender melhor o conteúdo das matérias e a sociedade. A música “Planeta Água”, de Guilherme Arantes, tratou de temas ambientais com atividades de biologia e matemática; “Soy loco por ti América”, de Caetano Veloso, aproveitou o gancho da Copa do Mundo para abordar a língua estrangeira (espanhol), o Mercosul (geografia) e a Revolução Cubana (história); e “Cálice”, de Chico Buarque, trabalhou a questão da metáfora para a disciplina de língua portuguesa.
“Quando a aula está ligada à música, o aluno participa mais e o desempenho dele é melhor. Com isso, minimiza-se a repetência e a evasão escolar”, acredita a diretora, com outro evento em mente. “Faremos trabalhos interdisciplinares com cada turma abordando um gênero musical. O material produzido nas aulas vai estar em uma feira pedagógica com banda e teatro. Convidamos o MC Marcinho e a escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel”, informa Ana Paula.
A qualidade do trabalho diferenciado, realizado pelo colégio, foi comprovada pela coordenadora do MPB nas Escolas. Na última quarta-feira, 20 de outubro, Isabela Leal aplaudiu a culminância do projeto, que contou com uma apresentação em PowerPoint, música, teatro e dança. Registrado pelo Canal Futura, o evento teve como tema a Bossa Nova.
“Os alunos apresentaram uma atividade transdisciplinar que aproveitava a música ‘Garota de Ipanema’ para falar da cidade, do relevo e do meio ambiente. Os professores de biologia abordaram temas transversais por meio da Bossa Nova, que é um dos gêneros do kit”, elogiou Isabela.
Alunos trabalhando a música "Cálice" em sala
de aula
Projeto já desperta o interesse dos alunos
Felipe de Souza Taveira, de 19 anos, aluno do primeiro ano do Ensino Médio do C.E. Alfredo Neves, de Nova Iguaçu, não vê a hora de o projeto começar efetivamente em sua escola. Presidente do grêmio estudantil, ele diz que os alunos da unidade já são bastante ligados à MPB, pois muitos participam do festival de música organizado pela coordenadoria regional Metro I.
“Acho bem legal. O que a gente mais vê é aluno desinteressado. Com a música, é bem mais interessante. A matéria vai entrar melhor na cabeça dele do que com o professor falando. Tem gente que não gosta do professor. Então, não aprende nada. Esse projeto pode ajudar muito quando a gente for fazer a prova do Enem, porque vai ficar mais fácil para absorver os conteúdos. E vai ser mais tranquilo para os professores ensinarem”, defende Felipe, com propriedade. “Sou do grêmio e quando entro na sala para falar de música, os alunos se interessam. Eles acabam gostando mais da escola”.
Já Brenno William Estevez, de 18 anos, do terceiro ano do Ensino Médio do C.E. D. Pedro I, de Mesquita, conta que seu sonho é aprender sobre a MPB na escola. Ele acredita que o projeto vai incentivar outros alunos a estudarem, porque todo mundo gosta de música.
“Adoro MPB, sou muito fã de vários artistas e sempre escuto. Fiz até um trabalho de interpretação em cima da música ‘Beatriz’, da Ana Carolina, para português e artes. Fizemos a análise sintática e morfológica em cima de trechos da letra. A professora de artes pediu para desenharmos algo relacionado à música. A letra é bem poética. Eu desenhei o corpo de uma mulher sem rosto, porque eu também desenho, sou artista. A Beatriz tem várias formas. Botei uma sombra no rosto dela, para dar a ideia de uma mulher misteriosa”, detalha.
A professora de português de Brenno já passou vários exercícios com letras de música para fixar a matéria. Foram letras de MPB, pop, samba e pagode, além de uma prova que pedia a análise de uma letra musical. O aluno aprovou a ideia.
Médio Paraíba ensina ao pé da letra
A coordenadoria regional do Médio Paraíba I, que abrange os municípios de Barra do Piraí, Valença, Rio das Flores, Piraí e Pinheiral, aderiu integralmente ao MPB nas Escolas. Todos os 38 estabelecimentos de ensino da região participam do projeto e, inclusive, já se preparam para a culminância, no próximo dia 10 de dezembro. Nas palavras da responsável pela organização, o evento será uma verdadeira “mostra de talentos”.
“Convocamos todas as escolas e elas aderiram. Cada uma está montando a sua apresentação”, empolga-se a dinamizadora tecnológica Fabiana Ferreira, do Polo de Tecnologia Educacional (PTE) de Barra do Piraí.
Animadores culturais, orientadores tecnológicos e coordenadores pedagógicos também estão envolvidos nos preparativos. A festa começa às 8h, no Royal Sport Clube de Barra do Piraí, com exibição de documentários, recitais, exposições, sarau e mais uma infinidade de trabalhos realizados pelos alunos. A coordenadoria regional providenciou equipamentos de sonorização para valorizar as apresentações.
O primeiro a abraçar o projeto no Médio Paraíba I foi o próprio coordenador regional Vitor Ricardo. Assim que conheceu o material didático, em uma reunião no Instituto Cravo Albin, apostou na adesão entre os estudantes e equipes pedagógicas. Fabiana disse que “se apaixonou” pelo documentário sobre bossa nova e samba à primeira vista. Coube a ela entregar os kits e motivar os docentes a usarem os DVDs, livros, cartazes e CD em sala de aula.
“São imagens riquíssimas, que contextualizam a música com a história do país. O projeto integra várias disciplinas, como arte, língua portuguesa e sociologia. Os professores estão adorando. Acho que esse material tem de ser utilizado nas escolas. Não pode ficar guardado”, opina Fabiana.
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